(Publicado no L'Osservatore Romano, de 9 de março de 2017)
A «bússola do cristão é seguir Cristo crucificado»: não um falso Deus
«desencarnado e abstrato», mas que se fez carne e que traz sobre si «as
chagas dos nossos irmãos». Foi um forte apelo à conversão e à
concretude a sugestão do Papa Francisco para a Quaresma, proposto na
meditação.
«A palavra, a exortação da Igreja precisamente no início da Quaresma é
“convertei-vos”» e «já o dissemos antes do Evangelho: «Convertei-vos,
diz o Senhor”» realçou imediatamente Francisco, citando o trecho do
Evangelho, tirado de Mateus (4, 17). Assim «hoje — explicou — a liturgia
da palavra faz-nos refletir sobre três realidades que devemos ter
presente para esta conversão: a realidade do homem — a realidade da vida
— a realidade de Deus e a realidade do caminho». Estas «são realidades
da experiência humana, as três, mas que a Igreja, e também nós, temos à
nossa frente para esta conversão».
Portanto, a primeira é «a realidade do homem: estás diante de uma
escolha» afirmou Francisco referindo-se ao trecho do Deuteronómio (30,
15-20) proposto pela liturgia: «Olha que hoje ponho diante de ti a vida
com o bem, e a morte com o mal (…)». Nós homens estamos diante desta
realidade: ou é bem ou é mal. «Se, porém, o teu coração se afastar, se
não obedeceres e se te deixares seduzir para te prostrares diante de
outros deuses» seguirás o caminho do mal. E «isto — explicou o Papa —
percebemo-lo na nossa vida: podemos escolher sempre o bem ou o mal,
existe a realidade humana da liberdade. Deus fez-nos livres, a escolha é
nossa». Mas o Senhor «não nos deixa sozinhos, ensina-nos, admoesta-nos:
cuidado, existe o bem e o mal; adorar a Deus, cumprir os mandamentos é o
caminho do bem; ir para o outro lado, pelo caminho dos ídolos, dos
falsos deuses — muitos falsos deuses — que fazem errar a vida». E «esta é
uma realidade: a realidade do homem é que todos nós estamos diante do
bem e do mal».
Além disso, prosseguiu o Pontífice, «existe outra realidade, a
segunda realidade forte: a de Deus». Sim, afirmou, «Deus existe, mas
como existe, Deus? Deus fez-se Cristo: esta é a realidade e para os
discípulos era difícil compreender isto». A este propósito Francisco
repropôs o trecho evangélico hodierno de Lucas (9, 22-25): «Jesus disse
aos discípulos: “É necessário que o Filho do Homem padeça muitas coisas,
seja rejeitado pelos anciãos, pelos príncipes dos sacerdotes e pelos
escribas. É necessário que seja levado à morte e que ressuscite ao
terceiro dia”». Assim «Deus assumiu toda a realidade humana, exceto o
pecado: não há Deus sem Cristo, um Deus sem Cristo, “desencarnado”, é um
Deus não real». Com efeito, explicou o Papa, «a realidade de Deus é
Deus que se fez Cristo por nós, para nos salvar, e quando nos afastamos
disto, desta realidade e da cruz de Cristo, da verdade das chagas do
Senhor, afastamos-nos também do amor, da caridade de Deus, da salvação e
avançamos por um caminho ideológico de Deus, distante: não foi Deus que
veio ter connosco e se fez próximo para nos salvar e morreu por nós».
«Esta é a realidade de Deus, insistiu Francisco. Deus que se revelou
em Cristo: não há um Deus sem Cristo». A este propósito, confidenciou,
«recordo um diálogo de um escritor francês do século passado, entre um
agnóstico e um crente. O agnóstico de boa vontade perguntava ao crente:
“Mas, como posso... para mim, o problema é como Cristo possa ser Deus:
não compreendo isto, como Cristo possa ser Deus”? E o crente respondeu:
“Para mim isto não é um problema, o problema teria sido se Deus não se
tivesse feito Cristo”».
Por conseguinte, realçou o Pontífice, «esta é a realidade de Deus:
Deus feito Cristo, Deus feito carne e este é o fundamento das obras de
misericórdia», porque «as chagas dos nossos irmãos são as chagas de
Cristo, são as chagas de Deus, porque Deus se fez Cristo». E, advertiu
Francisco, «não podemos viver a Quaresma sem esta segunda realidade:
devemos converter-nos não a um Deus abstrato, mas ao Deus concreto que
se fez Cristo».
Eis, então, «a realidade do homem — estamos diante do bem e do mal — a
realidade de Deus — Deus fez-se Cristo — e a terceira realidade humana:
a do caminho». A pergunta é «como avançamos, qual caminho vamos
percorrer?». O Papa repropôs a força das palavras de Jesus: «Se alguém
me quiser seguir, renegue-se a si mesmo, carregue a sua cruz todos os
dias e siga-me». Porque «a realidade do caminho é a de Cristo: seguir
Cristo, fazer a vontade do Pai, como Ele, carregar a cruz todos os dias e
renegar-se a si mesmo para seguir Cristo». Isto significa «não fazer o
que quero, mas aquilo que Jesus quer, seguir Jesus». E Ele diz «que
neste caminho perdemos a vida para a ganhar depois; é um perder a vida
constantemente, perder a possibilidade de fazer o que quero, perder a
comodidade, e estar sempre no caminho de Jesus que estava ao serviço dos
outros, da adoração de Deus: esta é a estrada certa».
Portanto, «três realidades»: «A realidade humana, do homem, da vida,
do homem diante do bem e do mal; a realidade de Deus: Deus fez-se Cristo
e não podemos adorar um Deus que não seja Cristo, porque esta é a
realidade». E também «a realidade do caminho: o único certo é seguir
Cristo crucificado, o escândalo da Cruz». E «estas três realidades
humanas são a bússola do cristão, com estes três sinais, que são
realidades, não vamos errar o caminho». Daqui também a sugestão no
início da Quaresma: «“Convertei-vos” diz o Senhor, ou seja, levai a
sério estas realidades da experiência humana: a realidade da vida, a
realidade de Deus e a realidade do caminho».
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